Como escrevi na penúltima postagem, tive uma mochila furtada com um talão de cheques, porta-moeda, documentos e uma câmera que acabara de ganhar da minha filha mais velha, que aparece comigo numa foto há 29 anos, objeto de inestimável valor sentimental, que foi junto. Também perdi um convite-imã do encontro dos ex-alunos do Ginásio Israelita Brasileiro Scholem Aleichem, que havia ocorrido na véspera, e o funil para encher uma garrafa metálica de bebida. Nesta madrugada me dei conta de ter ficado sem uma guia de exames que faria esta semana. Sr. Ladrão, não sei qual é o motivo de tanta maldade para não me devolver a guia, os documentos, a foto, o funil e um porta-moeda.
Bem, aos poucos estou repondo os documentos. Na última sexta-feira, 9/9, peguei a bike e fui embora. Saúde, Mirandopólis, Vila Clementino, Vila Mariana, Liberdade, Centro, Bom Retiro, Ponte Pequena, Santana, Santa Cecília, Bela Vista, Paraíso. Ao todo 39 km debaixo de sol escaldante e tempo seco feito deserto. Fiz o circuito do inferno - Detran, cartório de registro civil e Poupatempo. É também um excelente exercício de paciência e uma forma masoquista de entender como funciona a burocracia deste país.
Vejamos: no Detran, que fica num prédio horroroso em frente a um poluidíssimo rio Tamanduateí, o movimento lembra o de uma tenda de milagres. Vendedores ambulantes atrapalham a passagem e funcionários públicos atrapalham a população. Despachantes e particulares sobem e descem as escadas atrás de filas e mais filas. Evidentemente, que não escapei de uma delas. Mesmo tendo feito o licenciamento pela internet, fiz a bobagem de pegar o documento pessoalmente. A facilidade online termina no momento da entrega. É fila para dar entrada (e você reza para que o comprovante impresso em casa tenha o mesmo valor do que o feito num banco) e outra para a retirada. Alguns minutos perdidos, mas felizmente saio do Detran com o licenciamento e mais um ano sem multas, fato que muito me orgulha.Sinal que escapei dos radares e dos guardas de trânsito nos últimos doze meses. O que não significa que não tenha cometido infrações. Apenas que não fui pego pelos sistemas de vigilância.
Do Detran fui ao cartório de registro civil que fica numa ladeira de Santana, antigo endereço dos meus primos filhos da minha Tia Rosa, que hoje vivem em Israel. É o mesmo cartório onde gente importante como Ayrton Senna foi registrada. Ele, em março, e eu em outubro do mesmo ano de 1960. Apesar de poucas pessoas na fila, demorei para ser atendido. Para meu azar, uma idosa entrou na minha frente e fui obrigado a ver mais um pouco do jornalismo policial da TV Record. Já eram 14h da tarde e ainda não havia almoçado. Logicamente, isto influiu no meu (mau) humor. O valor de uma 2ª via de certidão de nascimento que me fora passado por telefone já não era o mesmo in loco. Felizmente, uma funcionária disse que não precisa de uma nova certidão de nascimento para obter um novo RG. Erro de informação do Poupatempo, meu novo destino.
Depois de contar com a gentileza dos motoristas na Ponte das Bandeiras e de algumas fechadas de outros condutores, cheguei à Praça Alfredo Issa, perto do Bar do Léo, o melhor chope de São Paulo, Realmente, o Poupatempo ajuda o cidadão, mas ainda tem muitos vícios burocráticos. Primeiro, a necessidade de passar por uma triagem para receber uma senha. Segundo, a exigência de várias cópias de documentos, mesmo que você esteja com os originais em mãos. Só sei que ter uma máquina de xerox nas redondezas é um ótimo negócio. Volto para a fila. Não demoro muito e sou atendido por um funcionário que dá mais atenção às conversas das colegas do que para o meu caso. Pergunta se quero colocar o número do CPF no futuro RG. Até topo. Só que precisava ter levado o original para a informação ser incluída. Mostro a CNH (a de 2010, já que a de 2011 foi furtada), que consta o CPF lá bonitinho e legível. Não serve. Dispenso o número, recebo tinta em todos os dedos para carimbá-los numa ficha, e agora devo receber num prazo de dois a três dias úteis, o novo RG, que terá um digito a mais, sinônimo de mais problemas na hora de se identificar.
Na Alfredo Issa, não posso tirar a segunda via da Carteira Nacional de Habilitação. De bicicleta, chego rápido e fácil à Praça da Sé. Vou ao Achados e Perdidos do Metrô, onde o simpático atendente tem uma certa dificuldade para entender o meu nome. Soletro do jeito Vila Sésamo: B de bola, E de Ester, N de nada e O de onda, entendeu agora sr. Cruzamento de Equinos? Nada dos meus documentos furtados. Vou ao segundo Poupatempo do dia. Salvo uma mulher de atropelamento. Ela viu um ônibus parado e achou que o sinal estava aberto, quando na verdade o coletivo esperava para não ficar em cima da faixa de pedestres. Dei um grito e uma bronca na mulher, que quase fez que eu virasse testemunha de uma tragédia. No Poupatempo da Sé, nem perdi tempo (desculpe o trocadilho infame). Soube com um funcionário quais documentos eram necessários (não batia com o que aparece no site) e quanto gastaria para ter uma nova CNH e fui embora. Perto dali, um viralata coçava o corpo castigado pelas pulgas, indiferente ao movimento e às exigências cartoriais para se viver neste país.
Agora, sr. Ladrão, vê se devolve a guia de exames, meus documentos e, principalmente, o funil sem o qual não dá para encher a minha garrafinha de whisky.
Lady Gaga (não), Paris Hilton (não), Justin Bieber (quem ?), Corinthians (sempre), mulher (sempre), rock (sempre), jazz (sempre), sertanejo (longe daqui), crônicas, baboseiras, bobagens, divagações, filosofias, conversas para bois (e vacas) dormirem, papos sem pé e sem cabeça, digressões, piadas, anedotas, observações, pílulas, sagas, prosopopeias...
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