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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Gil no Equipe

Estou lendo Nada Será Como Antes - MPB Anos 70 30 anos depois (390 páginas, editora Senac Rio), da jornalista carioca Ana Maria Bahiana, uma das mais respeitadas da área cultural. Ela traz reportagens e perfis de diversos artistas: Chico, Milton Nascimento, Raul Seixas, Egberto, Hermeto, Ney Matogrosso, Rita Lee, Caetano, Erasmo Carlos, Secos e Molhados, Pepeu, Arnaldo Baptista,entre outros.
Não resisti e resolvi copiar trechos da entrevista com Gilberto Gil, feita logo depois de um conturbado show no Equipe, colégio onde estudava. Na época, causou polêmica a discussão entre o artista e alguns espectadores, que cobravam uma posição política mais firme de Gil diante das manifestações estudantis contra a ditadura militar, em 1977. Ele tinha acabado de lançar o álbum Refavela. Então, vamos até a página 90. Com a palavra Gilberto Gil Passos Moreira.
"Desde que voltei da Inglaterra, com insinuações mais ou menos evidentes e frequentes de que estaria alienado, de que teria abdicado de uma posição de combate e não sei o quê. Na época do Refazenda, já teve isso e, mesmo antes, na época do Expresso 2222, a macrobiótica era fuga e tudo. Quer dizer, isso já vem esse tempo todo, e vem já como reflexo do tropicalismo, que foi assim o movimento da grande desconfiança conosco, comigo principalmente. Essas coisas são ecos daquela época, na verdade coisas como as que aconteceram no Equipe há um mês e pouco [a reportagem original foi publicada no O Globo, de 10/7/77], em São Paulo, pareciam repetições daquelas coisas do Tuca, em 1968.
(...) Essas coisas do Equipe foram assim a deflagração desssa onda mais recente. (...) Fui fazer um show, assim , com o violão, sozinho. E na semana tinha havido uma passeata, ocorrido muitas prisões de estudantes em São Paulo, todas aquelas coisas de novo: gás lacrimogêneo, e correria, e aquela coisa. Isso tinha sido numa quinta-feira e eu fui cantar no sábado, num colégio que é, tradicionalmente, um centro de vitalidade estudantil muito grande. Todo mundo conhece a tradição do Equipe como um lugar de vida estudantil intensa e bonita, muito bonita, é um dos lugares mais bonitos de São Paulo como colégio, como reunião de jovens [O Equipe funcionava na R. Martiniano de Carvalho, na Bela Vista]. E eles, alguns, assumiram a atitude de porta-vozes dessas áreas de contestação ao meu trabalho, áreas de discussão. Alguns tentaram abrir uma discussão aberta no meio do show comigo, uma discussão política a fim de exigir de mim posições em relação a essas coisas, quer dizer, em relação ao movimento estudantil, à repressão do sistema, à ineficácia dos planos econômicos do governo, um bocado de coisas que eu não estava ali para isso. Coisas que eu não me sentia na obrigação de responder porque eu tinha ido ali cantar, quer dizer, zelar pelo mito da arte, do exercício dessa arte. Essa é que era a minha função ali e tentei mostrar isso.
Houve discussões muito grandes, provocações e insatisfação de alguns na plateia: alguns jornalistas que também eram, digamos assim, representantes desse tipo de atitude, no dia seguinte abriram páginas contra mim me acusando de nazista...Bom, primeiro me acusando de todas essas outras coisas, escapismo, conformismo, e , já com uma certa novidade semântica, de ditador, de nazismo, que eu estaria utilizando técnicas nazistas de domínio da plateia, coisas assim bem desesperads, por tentar levar o público a cantar as músicas que eu cantava, por tentar exatamente reproduzir uma atmosfera ritualística, de disposição de todos para estarem juntos em torno de algo, ou seja, o dado religioso que é exatamente uma coisa que eu persigo, que eu gosto, que eu busco, e que eles identificavam como nazismo. Daí surgiu essa coisas.
(...) O artista está mais intensamente, digamos assim, ligado ao fato político, mas em essência, ele não está mais ou menos ligado que as outras pessoas. Ele está tão ligado quanto as outras pessoas. A não ser em casos específicos de artistas que são dublês de artistas e políticos também. Aí já é uma outra coisa. São artistas que fazem a arte mas que são políticos, ou seja, fazem política e utilizam a música ou a arte que fazem como um instrumento auxiliar desse trabalho político. O que não é o meu caso. "
Ana - "Já foi alguma vez?"
Gil - "Nunca chegou a ser propriamente". (....) 
Ana - Então o que houve, em essência, foi um conflito de concepções até de tempo?"
Gil - "É, de concepções, de posições...É natural que eles estejam na que estão: é uma questão de posição, meu nego. Você estão discutindo comigo uma questão de posição, vocês estão numa posição e eu estou em outra. Dessa posição, evidentemente, você vê o mundo assim, dessa outra posição, eu vejo o mundo assado. Então é isso, vocês estão nessa posição. Também não acho que vocês me condenem por estar na outra. eu já estive nessa que vocês estão, quer dizer, eu sei o que é isso, não estou condenando, eu sei o que é, portanto, vivam isso, tá legal, tudo bem, Eu posso até voltar a estar nessa, eu não estou dizendo que essas posições são estáticas, irreversíveis, separadas. Elas todas estão em interação o tempo todo, é uma estrutura atômica, elétrons, prótons, as pessoas girando e se interagindo ali. Não dá pra gente ficar separando, você estar certo agora, está errado, esse tipo de coisa que...você sabe como é...é muito confuso, confuso..."

Um comentário:

  1. Serei o primeiro? Excelente postagem, Beno! E Gil em sua melhor forma!
    Vejo que suas palavras batem perfeitamente com minhas lembranças.
    Ironias da historia ele ter dito "pessoas que sao dublê de político e artista"...
    (Gil Franco)

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